Conanda propõe resolução para agilizar o aborto em casos de estupro de crianças e adolescentes
Assinada pela presidente do Conanda, Marina de Pol Poniwas, a minuta foi enviada aos integrantes do órgão em 17 de outubro
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, está prestes a aprovar uma resolução que visa incentivar, facilitar e acelerar o aborto em crianças e adolescentes vítimas de estupro. O texto, obtido com exclusividade pelo Sensus Notícias, contém orientações para que, durante o atendimento a meninas nessa situação, profissionais de saúde as convençam de que o aborto é a melhor opção, desconsiderando a continuidade da gestação e a preservação da vida em formação.
Na parte que trata dos procedimentos para o atendimento de vítimas de abuso sexual, a minuta da resolução estabelece um rito ágil. A medida prevê que o aborto possa ocorrer sem o consentimento dos pais da vítima e, em alguns casos, sem que eles sejam informados. A proposta também permite que a interrupção da gravidez seja realizada independentemente do tempo de gestação, incluindo gestações avançadas que demandariam a realização do parto, com ou sem a morte do feto no útero.
Outro ponto da proposta é que os hospitais devem incluir em seus quadros médicos profissionais dispostos a realizar o aborto em meninas, afastando da equipe quem invocar objeção de consciência. Esses e outros pontos serão analisados por especialistas em uma série de reportagens do Sensus Notícias.
Assinada pela presidente do Conanda, Marina de Pol Poniwas, a minuta foi enviada aos integrantes do órgão em 17 de outubro e deverá ser votada em assembleia nos dias 6 e 7 de novembro. Caso aprovada, a resolução terá força normativa, ou seja, deverá ser seguida por serviços de saúde e instituições que atendem vítimas de abuso, como conselhos tutelares, polícias, Ministério Público e Judiciário.
Diferentemente de outras resoluções do Conanda, esta minuta não foi colocada para consulta pública, sem oportunidade de sugestões ou críticas da sociedade. Atualmente, o Conanda é composto por 23 representantes, entre titulares e suplentes, de entidades civis (ONGs, associações de classe, centrais sindicais, movimentos sociais, institutos de pesquisa, etc.) e membros do governo (servidores ou funcionários comissionados dos ministérios da Educação, Casa Civil, Fazenda, Desenvolvimento Social, Saúde, Trabalho, Justiça, Cultura, Igualdade Racial, Povos Indígenas, Planejamento, Secretaria-Geral da Presidência e Esporte).
Segundo apuração do Sensus Notícias, a tendência é de aprovação da resolução, principalmente pelo apoio dos representantes da sociedade civil, muitos dos quais defendem a ampliação das condições legais para o aborto, apesar do receio de alguns membros do governo sobre o desgaste político. Até esta quinta-feira, dia 31, era possível que fossem enviadas sugestões de alterações ao texto.
O Conanda foi questionado sobre a decisão de não divulgar a proposta para consulta pública, assim como sobre alguns pontos polêmicos da minuta. Em resposta escrita, o órgão afirmou que “estuda atualmente uma proposta de resolução voltada para a garantia do atendimento de crianças e adolescentes vítimas de estupro”, mas destacou que ainda não possui uma “minuta consolidada”, pois o conteúdo está em discussão interna com conselheiros e especialistas. Portanto, afirmou que “não é possível tratar do mérito sobre fragmentos das discussões ainda não finalizadas em um texto definitivo.”
Para avaliar as normas propostas, o Sensus Notícias consultou advogados, psicólogos, médicos e estudiosos com perspectiva “pró-vida”, que defendem a preservação da vida do feto. Em casos em que a vítima não queira ou não possa criar o(a) filho(a) fruto do abuso, esses especialistas defendem a possibilidade de doação.
Embora reconheçam a permissão legal do aborto em casos de estupro devido aos impactos físicos, mentais e sociais sobre a vítima, alguns desses especialistas apontaram problemas éticos e legais nas diretrizes do Conanda, principalmente no trecho que considera o encaminhamento para o pré-natal como “violência obstétrica” caso a vítima opte pelo aborto. Para o obstetra Raphael Câmara, é importante que a criança ou adolescente seja acompanhada por um médico, seja para interromper a gravidez, seja para levá-la adiante. “Se a pessoa decidiu fazer o aborto, quem realizará o procedimento é um obstetra, que deve avaliar seu estado de saúde antes”, destaca.
A proposta também cita dados sobre gravidez precoce no Brasil para fundamentar a medida, com base em registros do SUS. Em 2023, o DataSUS registrou a morte de seis menores de 14 anos e de 129 adolescentes entre 15 e 19 anos por complicações durante o ciclo gravídico-puerperal. No mesmo período, nasceram 13.934 bebês de mães com até 14 anos, enquanto adolescentes de 15 a 19 anos deram à luz 289.093 bebês, com uma taxa de mortalidade materna de 0,04%.
A celeridade é um princípio central da minuta. O texto estabelece que, ao identificar uma gravidez resultante de violência sexual, o órgão de proteção à criança que fizer o primeiro atendimento deve encaminhar a vítima “direta e imediatamente” ao serviço de saúde para a realização do aborto.
Além disso, a minuta prevê que a vítima passe por uma “escuta especializada”, entrevista realizada por um profissional capacitado e integrante da rede de proteção, como conselhos tutelares ou Ministério Público, em ambiente adequado e sigiloso. Durante essa escuta, profissionais do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) devem informar a vítima sobre seus direitos reprodutivos, incluindo o aborto legal, com dados científicos e recomendações da OMS.
A proposta do Conanda também sugere treinamento específico para eliminar “barreiras de acesso” ao aborto, seguindo diretrizes da OMS, que, em 2022, reforçou a necessidade de remover obstáculos ao aborto em todo o mundo. Entre esses obstáculos estão a criminalização do procedimento, tempos de espera obrigatórios e aprovações por terceiros.
Especialistas pró-vida ouvidos pelo Sensus Notícias expressaram preocupação com o tom unilateral da minuta, que, em sua visão, parece considerar o aborto como única opção viável para a vítima. Para a advogada Andrea Hoffmann, presidente do Instituto Isabel, a resolução aparenta obrigar o aborto nesses casos: “As consequências do aborto são extremamente prejudiciais à saúde física e mental das mulheres, independente da idade. O Conanda deveria centrar-se na assistência psicossocial e encaminhamentos adequados à vítima e sua família, e não em promover o aborto como solução.”
Também consultada pelo Sensus Notícias, Lenise Garcia, presidente do movimento Brasil Sem Aborto, considerou o texto “claramente tendencioso” em favor do aborto, afirmando que ele não oferece alternativas, como a adoção, e minimiza os potenciais danos psicológicos do procedimento. "O aborto é apresentado quase como a solução ideal para essas situações", critica.
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