Rosivaldo Casant

PARA-RAIOS NÃO PARA ALUNO
Num dia, outra professora nos disse que viu alguns alunos tentando subir e procurando passar pelo alçapão que dá acesso à caixa d’água, uma pequena abertura para serviços no teto do corredor superior

PARA-RAIOS NÃO PARA ALUNOS
Uma professora enviou uma de suas alunas à diretoria da escola para comunicar que havia um cheiro forte de “baseado” nos corredores do andar superior. Era fácil saber quais alunos faziam uso de drogas, pois a experiência de tantos anos nesse trabalho nos auxiliava nisso. Mas é importante agir com extrema cautela em situações assim e não sair acusando, a torto e a direito, colocando pessoas contra a parede, sem robusta comprovação do ilícito. O que procurávamos fazer para coibir o uso de substâncias estranhas ao ambiente escolar era impedir que alunos circulassem livremente pelos corredores e demais dependências da escola, mantendo-os em suas respectivas salas de aula. Acompanhamos a aluna e fomos atender a professora. Não encontramos nada que indicasse uso de alguma substância que perturbasse o ambiente escolar, nem mesmo algum aluno alterado, mas odor notificado, embora sutil, realmente não era simples imaginação da colega. Como não éramos peritos forenses, retornamos às nossas atividades, sem nada resolver.
Num dia, outra professora nos disse que viu alguns alunos tentando subir e procurando passar pelo alçapão que dá acesso à caixa d’água, uma pequena abertura para serviços no teto do corredor superior. Por ali se conseguia acessar o telhado do edifício. Já fora dito, em outras ocasiões, que alguns alunos estavam cabulando aula, usando a referida passagem e alcançando a rua. Analisamos cuidadosamente e não havia como comprovar tal versão, tanto por causa do pé direito do referido ambiente, quanto pela altura do prédio. De toda forma, resolvemos bloquear a passagem, temendo que algum maluco subisse até a caixa d’água e fizesse algo que comprometesse a saúde e a integridade geral da comunidade escolar. Se alguém caísse, subindo ou descendo uma das paredes, ou jogasse dejetos na água, ou, ainda a deixasse com a tampa aberta, traria grandes aborrecimentos para a escola. Graças a Deus, sempre podemos contar com a iniciativa e boa vontade de alguns alunos e, desta feita, não foi diferente. Algumas pessoas do noturno se dispuseram a fazer e colocar uma porta do estilo alçapão.
No dia da colocação da portinhola, dois outros alunos se comprometeram a ajudar e lá chegaram para isso. Um deles disse que subiria para dar apoio de cima. Enquanto decidíamos a melhor forma de erguer a peça de madeira para sua fixação, o rapaz que havia subido, desapareceu. Nós o chamamos várias vezes e nada de resposta. De repente, lá estava ele às nossas costas. Como, se ele não havia descido e passado por nós? Aperta daqui e dali, ele nos revelou o mapa da mina: como passar para fora da escola, sem precisar dos meios convencionais. Disse que nem todos tinham coragem de arriscar porque era “meio perigoso”. Meio? O que seria totalmente perigoso?
— Eu mesmo tinha um pouco de medo — confessou o outro aluno, que acompanhava o que desceu — depois eu acabei me acostumando e agora faço até de olhos fechados. — Imaginem! Rapel de olhos fechados.
— Você que conseguiu descer, me mostra por onde é. —Exigi dele.
Ele hesitou um pouco, mas entendeu que era melhor mostrar, pois “sua batata estava assando”.
— Vamos lá embaixo e eu mostro como cheguei até aqui.
Nós todos o acompanhamos até a parte dos fundos do prédio. Ele nos mostrou o fio do para-raios e falou:
— Foi por aqui que eu desci.
Os alunos que queriam fugir e tinham coragem para arriscar, subiam pela abertura de acesso à caixa d’água, chegavam a um estreito corredor na torre que a abrigava, passavam para o telhado por uma pequena porta, escorregavam até a calha, que era uma canaleta de alvenaria, seguravam-se no cabo do para-raios, passavam as pernas por cima do beiral e, pressionando fortemente os pés, além das mãos soltando o corpo de maneira coordenada, até o ponto em que o fio entrava num cano, pelo qual chegavam à calçada, três metros abaixo. Fim do mistério. Agora, então, o fechamento para a caixa estava mais que justificado e era extremamente necessário.
O para-raios é para raios e não para-alunos. Daí a porta do alçapão para pará-los. Até porque, se alunos tinham podido sair, durante sabe-se lá tanto tempo, o que teria impedido os malfeitores de entrar no edifício caso quisessem ter causado algum dano ao patrimônio ou às pessoas.
Não preciso nem dizer que tomamos todos os cuidados para que os alunos que nos ajudaram a solucionar o mistério dos odores estranhos e a colocar o alçapão não fossem entregues de bandeja pelo vacilo de um deles.
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