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São Paulo,09/03/2025

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Rosivaldo Casant

MODÉSTIA À PARTE

Recorrentemente, recordo de um jantar em nossa casa em que, para finalizar a refeição, comemos um doce de coco maravilhoso. Eu fiz os maiores elogios possíveis, olhando para minha esposa, quando ouvi minha sogra dizer ...

R.C.Santos
MODÉSTIA À PARTE Jantar

MODÉSTIA À PARTE


Costumo brincar muito com a minha sogra, relembrando algum fato que já nos fez rir em algum instante de nossas vidas; e olha que são muitos os momentos, para lá de três décadas de acontecimentos, desde que comecei a frequentar sua casa, de olho na filha, com quem desfruto todas as bênçãos do Papai do céu até hoje. Recorrentemente, recordo de um jantar em nossa casa em que, para finalizar a refeição, comemos um doce de coco maravilhoso. Eu fiz os maiores elogios possíveis, olhando para minha esposa, quando ouvi minha sogra dizer:

— Modéstia à parte, está muito bom mesmo!

Olhamos para ela sem entender a razão de estar dizendo aquilo, já que, minutos antes do jantar, a filha tinha dito que a sobremesa era o dito doce servido e que ela mesma havia feito, contando, inclusive, todas as peripécias de rachar a casca do coco.

— E quem fez o doce, afinal de contas? — perguntei.

— Minha filha. — respondeu a sogra, completando, ato contínuo — Mas quem fez ela fui eu. Modéstia à parte!

O que mais dizer depois de tamanha sagacidade. O certo é que, vez ou outra, surge a expressão à mesa e, lógico, temos que explicar para as pessoas que não conhecem a brincadeirinha da família, contando o que houve naquele jantar com o delicioso doce de coco. 

A expressão utilizada pela minha sogra se consagrou pelo tirocínio, pela forma do uso naquela ocasião. Mas a tenho ouvido ser dita, inapropriadamente, por alguém sem a legitimidade que a lógica do vernáculo exige, tendo lembrança de uma dessas lambanças com o idioma pátrio e que compartilho agora.

Eu substituía uma colega na direção de escola em que trabalhava havia um bom tempo. Foi um período muito bom em que tive contato com inúmeras pessoas da comunidade no entorno escolar. Povo simples que buscava a diretoria para os mais diversos assuntos relacionados à vida de seus filhos, que, em média, eram cinco por família.

Certa feita, sabendo que havia umas telas de proteção usadas até bem pouco tempo e recentemente substituídas por outras novíssimas na última reforma, um senhor nos procurou informando que criava frangos e outras aves e precisava de telas para construir um abrigo seguro para os animais e aquilo que era um material inservível para nós, para ele seria extremamente útil, propondo-se a pagar um preço justo. Conversamos bastante. Era uma pessoa dentro do perfil da vizinhança escolar, muito simples, mas totalmente envolvido com o folclore e a cultura, sendo, ainda, mestre na capoeira. Envolvido pelo seu carisma, contei-lhe que escrevia e mostrei alguns trabalhos em folhas datilografadas e guardadas numa velha pasta. 

— Modéstia à parte, eu tenho um bom material que precisa ser publicado. Vamos ver se consigo um editor e toco a coisa para adiante! — eu disse.

E a conversa seguiu por mais meia hora. Num dado momento, o senhor recitou uma poesia e disse que era de sua autoria. Que coisa rica! Era de fato uma poesia muito bonita. Tentando justificar toda a simplicidade e não se considerando digno de mostrar uma poesia de sua lavra, totalmente autoral, valeu-se da habilidade de assimilação, pegou a expressão que eu havia usado minutos antes e largou a pérola:

— Modéstia à parte, eu sou analfabeto, professor, mas eu gosto muito de poesia!

Ele não dizia aquilo por vaidade, como pessoas que declararam orgulharem-se por nunca terem lido um único livro na sua vida. Tão pouco, não seria eu, pelo menos naquela circunstância, quem iria dizer-lhe como se usava os termos da sua fala da forma mais apropriada.

Modesto ele era, sim; mas analfabeto, jamais! Sua experiência de vida e a cultura que possuía lhe conferiam o diploma que a universidade da vida dá. Ele podia, sim, orgulhar-se do seu papel social e familiar, podendo ser um exemplo a ser seguido. E vamos falar a verdade? Mais vale aquilo que se ensina com o fazer, sendo modelo de realização de obras, do que um montão de palavras ditas sem um fiapo de credibilidade

Fizemos o negócio com as telas. Ele as usou, de fato, para o fim que havia dito. Eu, modéstia à parte, dei-me bem, pois consegui um bom dinheiro para a Associação de Pais e Mestres poder tocar para a frente algumas pequenas reformas em diversos cantos da escola.  



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Parabéns amigo você continua brilhante nos assuntos abordados....

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