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São Paulo,08/03/2025

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Antonio de Paula Oliveira

Um presente inusitado

Ela se assustou ao receber meu livro de presente.


Um presente inusitado Prateleira de livros

    Existem amizades que perduram por toda a vida, como é o caso da bela relação entre Lina e Bárbara, um exemplo entre milhares que resistem ao tempo. Há algum tempo, escrevi para o jornal O Popular um texto sobre o valor da amizade, onde disse: "A amizade é uma conquista enobrecedora; ela nasce de um olhar ou de um simples aperto de mão." O filósofo Epicuro, por sua vez, descreveu a amizade de forma sublime: "Ela é tão útil quanto produzir alimento e tão bela e prazerosa quanto cultivar flores."

    Observo com grande admiração a amizade de um grupo que mantém seus laços desde a adolescência. Hoje, todos estão na faixa etária entre 38 e 40 anos. Embora cada um tenha seguido caminhos distintos, com carreiras em áreas diferentes e alguns morando em outras cidades ou estados, a amizade entre eles permanece inquebrantável. Estão sempre se reunindo, agora acompanhados de suas esposas, maridos e filhos, mantendo viva a amizade e revivendo juntos as memórias de uma vida compartilhada.

    Bárbara atravessou as Américas e o Atlântico para celebrar as festas de fim de ano com familiares e amigos aqui na terrinha. Um lugar único, onde se extravasam as alegrias, aquecendo o coração com abraços calorosos. Aqui, desfruta-se da boa culinária, das risadas prolongadas que vão contagiando, do ritmar das canções e, nos momentos de sossego, de um bom livro. É o instante perfeito para desacelerar, apreciar e nutrir a imaginação por meio das palavras derramadas sobre as páginas.  

    Ficamos em dúvida sobre o dia exato da festa da Bárbara: seria no dia 19 ou 20 de dezembro? Os dias passaram, e em nossa cabeça ficou a ideia de que seria no dia 20, sábado. Mas, na noite de sexta-feira, Barbara ligou perguntando se já estávamos a caminho. Lina já havia comprado o presente com antecedência, mas eu, que deixara para a última hora, fui surpreendido quando a última hora chegou sem qualquer aviso.

— Vou levar meu último livro “Dos Sinos: o Suar do Perdão”

— Vai dar seu livro de presente?

— Sim! Talvez ela goste das singelezas explícitas nos contos ou dos versos que engrandecem a alma da mulher. Ademais, não tem onde comprar presente a essa hora.

    Chegamos atrasados, mas fomos calorosamente recebidos pelos pais de Barbara, que nos conduziram a um salão iluminado, decorado com belos arranjos tropicais. No centro, Bárbara estava radiante, recebendo os convidados que traziam presentes de aniversário. Quando chegou minha vez de cumprimentá-la, entreguei o meu presente, simples, sem um embrulho elaborado: nu e cru. Ela, educadamente, agradeceu com um breve “obrigada” e colocou-o delicadamente sobre uma mesa ao canto.

    A fotógrafa pediu que ela pegasse o livro que havia acabado de colocar sobre a mesa para uma foto. Talvez tenha sido um gesto habilidoso da moça loira, de cabelos cacheados e olhos vivazes. Certamente, ela percebeu o aparente desinteresse pelo presente e, com sensibilidade, quis amenizar qualquer desapontamento.

— Mostre a capa do livro, segure-o mais acima. Isso! Muito Bom! — disse a fotógrafa com simpatia. 

    Foi uma noite agradável, estavam todos muito alegres e a família muita acolhedora, o que fez com que nos sentíssemos à vontade desde o momento em que chegamos.  Era um ambiente incrível!  Um astral muito estimulante e cheio de luz. 

    Da minha mesa, observei algumas pessoas pegando o livro, folheando suas páginas, enquanto outras o entregavam para alguém de outra mesa, onde ele acabava ficando. Em dado momento, uma senhora o utilizou como leque, abanando-o de um lado para o outro para criar uma corrente de ar. Fiquei preocupado; aqueles movimentos poderiam acabar soltando algumas páginas.

    Mas a minha maior preocupação foi quando o vi em uma mesa, no meio de uma poça de cerveja derramada. Levantei-me imediatamente, peguei-o e percebi que a capa já começava a molhar. Com um guardanapo, enxuguei cuidadosamente a capa e o devolvi ao lugar reservado para os outros presentes. Mas tão logo o livrinho reiniciou sua jornada pelas mesas e mãos incrédulas, não pelo mundo das palavras, mas pela festa, com um destino muito mais animado! Primeiro, ele chegou à mesa do bolo, onde ganhou um toque de chantili na capa marrom antes de continuar sua travessia. Em outra mesa, foi recebido com risadas e conversas animadas. Um casal o pegou, examinou-o por alguns instantes e comentou algo antes de devolvê-lo ao fluxo da festa. Finalmente, a loira de cabelos cacheados e olhos vivazes o recolheu novamente e pediu ao casal que posasse com ele para uma foto.

     Logo o livro chegou à mesa dos adolescentes que o pegaram com olhares curiosos e sorrisos gracejados. 

— Um livro aqui a essas horas? 

    O livro ia passando de mesa em mesa, de mão em mão, até chegar à mesa de umas senhorinhas, que olhavam para todos os lados e destilavam comentários sobre todos.

— Um livro como presente de aniversário? Que falta de consideração! – disse uma delas. 

    Ao final da festa, enquanto os presentes eram recolhidos, o livro permaneceu esquecido sobre uma mesa no canto do salão. Quem sabe, em uma próxima edição, ele tenha muito a dizer sobre o comportamento humano, suas nuances coléricas e melancólicas.




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