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São Paulo,08/03/2025

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Antonio de Paula Oliveira

Mãos que acolhem

Mãos que acolhem

meninos da bicicleta Alavanca social, india 2013. Avô pescando com o garoto, Volodymir Horyn Dreamstime .com
Mãos que acolhem

    Em dezembro, alguns familiares se reúnem para organizar a entrega de brinquedos e cestas básicas aos filhos e familiares dos lavradores do Distrito da Ferrugem, no município de Bela Vista de Goiás. São parentes de fazendeiros e sitiantes, proprietários de terras na região daquele município e arredores, como Silvânia, Cristinópolis, Piracanjuba e Passa Quatro, que se organizam e entregam presentes e cestas básicas, entre outros produtos de uso domiciliar.

    Normalmente, eles fazem as entregas no segundo domingo do mês. Neste ano, o comboio de veículos que transportou as mercadorias foi maior do que no ano anterior, confirmou o senhor José Agripino, que chegou cedo em frente ao Supermercado Supersíl, na Ferrugem. Ele trouxe seus três netos, com idades entre 3 e 10 anos. O mais velho estava esperançoso de ganhar uma bicicleta, já que a sua havia quebrado uma das rodas.

    Ferrugem é um lugar tranquilo, onde os homens se reúnem ao entardecer ou nos finais de semana para prosear. Costumam se encontrar na porta do supermercado, compartilhando uma bebida, ou no Bar Búfalo, onde se aventuram no carteado. A filosofia roceira transparece no seu jeito simples de falar, fluindo como a bebida nos copos. São grandes entendedores de futebol, política e, acima de tudo, de economia.

— Lindolfo, meu patrão está se esperneando com o custeio do plantio da soja, insumos, diesel e sementes estão tudo os olhos da cara — diz José Nilson em tom desafiador.

— Se a soja não for bem na próxima safra, não alcançar preço satisfatório, dá para recuperar com o boi gordo, a arroba está batendo nas alturas — retruca Juarez, que acabara de chegar ao armazém.

    Raramente acontece alguma encrenca, somente quando os mais afoitos, já encorajados pelo efeito da bebida, dos incontáveis copos de cangibrina, provocam as desavenças. Mas sempre há um pacificador amigo para jogar água fria nos arreliados, e cada qual se afasta para um canto, enquanto ele permanece no 'ringue' por alguns instantes, uma estratégia eficaz para evitar que voltem a se desentender.

    As mulheres do Distrito ficam em suas casas, dizem que serviço caseiro só acaba no dia da morte. Os meninos, no campinho de terra, disputam acirradas partidas até 5 gols. O time perdedor dá lugar à equipe de fora, que espera ansiosa junto ao alambrado.


    O senhor Agripino atravessa a rua em direção à praça, segurando pelas mãos os dois netinhos menores. As crianças querem ficar bem perto dos organizadores, mas o avô prefere manter-se um pouco atrás. Ele já está acostumado com a tradição: todos os anos é assim, nenhuma criança sai sem presente.

    Na fila para receber os presentes, sempre há um adulto acompanhando para garantir o bom andamento da entrega. A criançada, porém, já transborda de alegria antes mesmo de tocar nos pacotes. São muitos, talvez cerca de 200, vindos de três comunidades vizinhas. Assim que recebem os presentes, abrem-nos com entusiasmo, ansiosos para apreciar e começar a brincar.

    O sol esquenta, mas ninguém reclama. Nem mesmo os mais velhos que estão na fila para receber uma cesta básica. O senhor Agripino caminha ao lado dos 3 netinhos. O menorzinho estende as mãos para o avô pegá-lo nos braços, como em tantas outras vezes. Quando chega a vez dos meninos receberem os presentes, ele põe o netinho em pé ao lado dos outros irmãos. Os garotos se assanham quando veem a bicicleta azul, o aro 20 reluzindo aos olhos do ganhador. Para eles, era como um sonho distante; aqueles presentes representavam um tesouro precioso. Os meninos sorriam continuamente.

— Olha, vô! Ganhei! Ganhei!

— Agradece o moço!

— A cesta de Natal e o restante nós vamos deixar lá na sua casa, senhor Agripino — diz um dos organizadores.

    O vovozinho elevou as mãos juntas, expressando agradecimentos aos organizadores. A felicidade que sentia podia ser notada pelas lágrimas que escorriam sob a pele vermelha do sol.

    O senhor Agripino atravessou a rua para ir embora. Agora os meninos não mais seguravam suas mãos, estavam ocupadas segurando os presentes.

— Vamos passar no armazém, vô! Quero mostrar a bicicleta para o pai, ele está lá.

— Mas só um instantinho, o vô está com muita fome.

Quando eles se aproximaram do Supermercado Supersíl, o garoto mais velho empurrando a bicicleta, ao avistar o pai, gritou:

— Pai! Pai! Ganhei a bicicleta, Pai! Olha aqui!


    O pai se remexe no banco para observar os meninos do lado de fora do supermercado. Enche o copo de cerveja e, num só fôlego, vira metade do conteúdo, espalhando-o de forma brusca e impaciente.

— Vão para casa, meninos! Quando eu chegar lá, olho tudo.

Gira o tronco para a mesa e volta para o copo, enquanto os meninos descem a rua ao lado do avô. Ficam desapontados diante da atitude alheia do pai, mas o avô, com sua voz calma e conciliadora, diz que não é motivo para se entristecerem.

— Ele ficou feliz com a bicicleta e com todos os presentes que vocês ganharam. Certamente está nervoso com o trabalho ou com alguma outra coisa, mas quando chegar em casa, vai apreciar todos os presentes, vocês vão ver.

    Os meninos brincaram a tarde inteira e, quando anoiteceu, disseram à mãe que iriam esperar a chegada do pai para lhes mostrar os brinquedos, mas logo foram vencidos pela intensidade do dia e adormeceram exaustos ao lado da mãe.                                    




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