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São Paulo,08/03/2025

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Antonio de Paula Oliveira

Expedição Belo Horizonte à Vitoria

A instigante viagem de trem

Antonio de Paula e arquivos da Vale "trem de passageiros"s
Expedição Belo Horizonte à Vitoria Pontilhao sobre o Rio Doce, estação de Belo Horizonte. Interior do vagão, estação Ipatinga 1929, vagões de passageiros. .

A viagem de Belo Horizonte à Vitória a bordo do luxuoso trem de passageiros da Vale, é um convite para relaxar e apreciar a natureza exuberante da região.


    Viajar no trem que conecta Belo Horizonte a Vitória, no Espírito Santo, reserva surpresas que vão muito além das paisagens deslumbrantes vistas pela janela. Após cada curva ou túnel, um espetáculo surge para encantar os olhos: montanhas imponentes, florestas exuberantes, rios serpenteantes, cachoeiras deslumbrantes, cânions impressionantes e pequenas comunidades pitorescas. O passageiro pode desfrutar toda a beleza da paisagem com conforto e total segurança, a bordo dos vagões de passageiros do trem da Vale. 

    Chegamos bem cedo à Praça Rui Barbosa, mais conhecida como Praça da Estação, em Belo Horizonte, sob o frio típico das manhãs belorizontinas. Mineiro não perde trem e, para valer o ditado popular, os 15 minutos sugeridos para a chegada antes da partida viraram 30 minutos. Fizemos a identificação e logo um senhor começou a explicar em qual vagão nos embarcaríamos. Ele falava frases curta e cantadas, cheias de gracejos e gesticulações com as duas mãos. Trajava um uniforme muito parecido com os dos militares, o quepe de cor cinza e desbotado, enfiado na cabeça meio inclinado para um lado, deixando à mostra seus cabelos brancos. Todos os ouviam em relativo silêncio. Lina e eu fomos para um vagão mais à frente da locomotiva, já o casal amigo, Eunice e Silmar, se dirigiu para outro vagão, um pouco mais atrás. 

    Naquela manhã, não tivemos tempo de mostrar aos amigos de Goiânia o suntuoso prédio da estação ferroviária, uma obra em estilo neoclássico inaugurada em 1922, antes de embarcarmos. O prédio é uma joia e um símbolo da arquitetura moderna da cidade de Belo Horizonte. Deixarei a história da estação para outro momento. Por ora, voltemos ao trem e à sua incrível viagem, uma experiência única e completamente diferente de qualquer outro meio de transporte de passageiros.

    No terceiro apito os vagões começaram a se arrastarem lentamente, obedecendo o sentido dos carris paralelos, para percorrer os 664 km de Belo Horizonte à estação de Pedro Nolasco, em Cariacica na grande Vitória. Ao longo do trajeto, o trem faz breves paradas em 30 estações, permitindo que alguns passageiros desembarquem em seus destinos finais enquanto outros iniciam sua viagem a partir dessas localidades. São paradas breves anunciadas por gravações. Os ruídos dos rodeiros deslizando sobre os trilhos e o leve balançar são quase imperceptíveis, nada que incomode. Por algum tempo passamos por vários bairros de Belo Horizonte e logo atravessamos o primeiro túnel no total de 45 durante todo o trajeto.

    Na classe executiva, o passageiro desfruta de maior espaço entre as poltronas, elas são mais largas, tem maior reclinação e são apenas 3 poltronas por fileiras. As duas classes de vagões oferecem monitores de vídeos, ar-condicionado, fones de ouvido, bebedouros e internamente apresenta um visual agradável. Durante todo percurso, um agente de viagem vai conversando com os passageiros, dando-lhes instruções sobre refeições, almoço, uso do wi-fi, lugares pitorescos entre outras informações solicitadas individualmente. 

    Em nosso primeiro percurso, que vai de Belo Horizonte a Governador Valadares, o agente era o Gabriel, um baianinho simpático que falava com entusiasmo e demonstrava satisfação por ali estar. Ele ia passando em todos os vagões com novas falas e o mesmo sorriso. Atendendo a sua curiosidade sobre o meu simples material de filmagem, ele quis saber o porquê das intermináveis filmagens. Disse-lhe que iria produzir um filme para o canal do Youtube que fala sobre viagens e lugares (@caminhosedestinosdepaula). O baianinho se despediu e passou para outro vagão.    

    Uma comissária passou com o primeiro carrinho de serviço, oferecendo café, chá, sucos e diversas outras opções, como pão de queijo, croissants e outras guloseimas. Optamos apenas pelo café, que combinava perfeitamente com a temperatura agradável de 23 graus dentro do vagão — um típico cafezinho mineiro sempre cai bem. O almoço e o jantar precisam ser solicitados com antecedência, garantindo tempo para o preparo. Os dois vagões-restaurantes estão localizados logo atrás do vagão onde as refeições são produzidas. Os pratos são simples e permitem a escolha do tipo de carne, mas são preparados com capricho e têm um sabor caseiro.

    O trem vai serpenteando as montanhas entre os grandes maciços de pedra e os despenhadeiros que permitem uma visão de tirar o fôlego. As cachoeiras que despencam pelas montanhas formam remansos lá embaixo, onde riachos cristalinos, refletindo a luz do dia, seguem seu curso em direção ao Rio Doce, mais adiante. O trem sai de um túnel e logo passa por um viaduto muito alto, olhando pela janela se vê a curva dos trilhos que parecem flutuar sobre os cânions.

    A concessão da ferrovia foi formalizada em 1997, quando a Vale assumiu sua operação. Desde então, a empresa tem investido em tecnologia e novas estratégias logísticas para o transporte de passageiros, além de garantir a manutenção do transporte de minérios e produtos manufaturados provenientes das produções locais. Contudo ele é o trem de passageiro mais antigo do país em atividade, é a linha que sai de Belo Horizonte à Vitória, no Espírito Santo, há 120 anos em operação.

    Nossa viagem seguiu tranquila por todo tempo, o conforto e a suavidade oferecidos aos passageiros nos surpreendeu bastante. Vez ou outra as conversas entre os vizinhos de poltronas se intensificavam, depois voltava o silêncio. Lina fechou o livro para apreciar as paisagens mineiras em elevadas subidas até mais à extremidade do estado de Minas, depois o trem desceu suavemente até à estação de Pedro Nolasco.

    Tive a sorte de encontrar no mesmo vagão o Sr. Aguilar, que me contou ter sido funcionário da Vale do Rio Doce por 50 anos. Aguilar, sempre muito agradável, demonstrou desde o início ser um profundo conhecedor da história daquele transporte de passageiros e cargas, que opera naquela linha há 120 anos. Após uma conversa amistosa, ele gentilmente aceitou dar uma entrevista para o meu canal do YouTube.

— Aguilar, qual a importância social e comercial dessa linha Belo Horizonte a Vitoria e vice-versa para a população dos dois estados?

— Além de transportar todos os tipos de mercadorias, especialmente o minério de ferro extraído pela Vale e outras mineradoras, que é levado para o porto de Vitória e, de lá, segue rumo à Ásia e à Europa. Também de Vitória para Belo Horizonte, os vagões estão sempre cheios de produtos importados: automóveis, eletroeletrônicos, peças automotivas, fertilizantes e tudo que vem da Ásia e da África para o Brasil passa por essa ferrovia. Temos que destacar a importância social que o trem de passageiros oferece a população ribeirinha que mora nas pequenas comunidades rurais, nas cidades as margens ou próximas da ferrovia. São operários das indústrias e das mineradoras, moradores que se deslocam de cidades e estados, estudantes e turistas, que desejam conhecer o interior mineiro através das janelas do trem. Os valores cobrados pelas passagens são convidativos, isso favorecem muito aos passageiros.

— Por que o trem não desenvolve uma velocidade maior? Seria interessante por se tratar de uma viagem tão longa?

— São vários os fatores que determinam a velocidade do trem: o modelo do trem, a via férrea e, principalmente a bitola. Essa é o principal fator de velocidade. A rede ferroviária do Brasil usa 3 tipos de bitolas: bitola métrica, bitola larga e bitola mista. Aqui, por exemplo, a bitola é métrica que tem 1m entre os trilhos. Algumas ferrovias como a dos Carajás PA, que vai até o porto de Itaqui em São Luís do Maranhão, usa a bitola larga que é de 1,600 m. Já a mista, usa as duas bitolas na mesma linha. 

    Aguilar, além de conhecedor de trens e ferrovias, é também um sujeito alegre com muitas histórias vividas que foi nos contando ao longo das 13 horas de viagem. 

    Ao chegar na parte mais plana, depois das montanhas, os passageiros ganham um novo escudeiro para seguir viagem lado a lado, o Rio Doce. Uma beleza à parte, ora de um lado, ora do outro, mas sempre alinhados na mesma direção. Agora as águas estão mais límpidas em relação a época do desastre de Mariana, quando suas águas ficaram amarelas cheias de lama. A vida vai aos poucos se refazendo com a fauna e a flora de um rio tão importante para mineiros e capixabas. 

    Quando a tarde vai se aproximando o sol reflete os raios nas águas do Rio Doce, deixando-as douradas, um visual para embevecer até os olhos menos atentos a tanta beleza. Quando aproximava o término da viagem, já na grande Vitória, Eunice e Silmar vieram para o nosso vagão que naquele momento havia poltronas vazias. Descemos na estação de Pedro Nolasco, um pouco cansados, mas certos de que aquela viagem fora uma das mais interessantes. Agora só nos faltava uma moqueca capixaba para encerrar aquele dia tão incrível e aguardar o dia seguinte para refrescarmos nas águas do Atlântico, na Praia da Costa em Vila Velha.

  




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