Sydnei Migli
BOLSONARO, CLESÃO E A RELIDADE PARALELA.
Não há sonhos impossíveis, há povos que já não sabem sonhar.
De todas as paisagens que existem nesse mundo, existe uma que se comunica diretamente comigo, o mar.
Essa imensidão de água com seu infinito poder de destruição que, ao mesmo tempo alberga tanta vida em seu desconhecido interior, se comunica comigo sem poder usar palavras, somente com sua monotonia horizontal e isso é algo que não consigo explicar.
Deve ser por isso que depois de um dia passeando na praia tive um sonho pela noite que, quem sabe, era a tentativa de transformar em imagens tudo o que o mar me faz desejar.
Sonhei que vivia em um lugar, digamos um país, em que seus habitantes entendiam a caridade de um modo distinto a tudo que eu estava acostumado e que a vida humana realmente tinha um valor inestimável.
Já sabem como são os sonhos, neles tanto podemos voar sem ter asas como ser atropelados no jardim de casa. Nesse meu sonho estava em um estádio onde grandes estrelas do futebol haviam se reunido pra oferecer ao público um jogo, um espetáculo e que a mim me surpreendia.
Pois pra assistir esse jogo, o público não tinha que pagar nada para estar ali, nesse sonho, nesse país, quem contribuía para uma causa benéfica em prol não sei bem de quem o do quê, eram os jogadores, os técnicos. Até os juízes doaram seus salários e os clubes doaram somas consideráveis de dinheiro a essa causa.
Já sabem, os sonhos são sempre muito loucos e a mim tudo isso me parecia estranho. Pois em nosso mundo, esse mundo em que estamos despertos ou assim acreditamos estar, nesse mundo quem sempre paga somo nós.
Aqueles que compramos suas camisetas, que mesmo levando uma vida justa, encontramos tempo pra lhes prestar atenção e gastar nosso suado dinheiro pra vê-los.
Nesse mundo em que pensamos estar despertos, jamais questionamos nossa condição de obedientes pagadores.
Mas como já disse, nesse meu país do sonho tudo era diferente e de repente me vi transportado a um outro lugar. E sobrevoando uma cidade, não eu não voava por mim mesmo, estava em um desses balões de ar quente e ouvia desde cima o que a gente lá embaixo dizia.
Era uma bonita casa, quem sabe um palácio, onde um homem parecia estar fazendo um discurso ante uma plateia atenta, os separava uma espécie de fosso de água.
E o discursante pedia a todos que se dirigissem a suas casas, que tanto ele como os seus simpatizantes haviam jogado nas quatro linhas e ele não iria contra as leis, pois acreditava no sistema. Um sistema ao qual havia servido por décadas.
Que voltaria dentro de quatro anos e seguiria sua missão. Esse honesto e honrado homem, não permitiria que ninguém, além dele mesmo, arriscasse sua integridade por algo que ele sabia impossível.
E deixou sinais muito claros de que todos deviam se retirar dessa batalha e concentrar forças para o futuro. E não atuou como fez alguém, tão parecido a ele, em nosso desperto mundo real, que com seu silêncio e fotos enigmáticas, gerou dúvidas e alimentou esperanças vãs.
Mas nesse meu mundo de sonhos, às vezes, as coisas se complicam e uma brisa leve fez com que meu balão seguisse adiante e desde cima pude sentir que havia ali abaixo uma enorme tristeza, pois, haviam cometido um crime.
Uma dessas injustiças das quais nem o mundo dos sonhos pode escapar. Um homem que, sob todos os aspectos, se sabia que era inocente, estava preso e acusado injustamente.
Sendo arrimo de família, deixava a mulher e duas filhas ao desamparo e sem uma explicação.
Sim, até no mundo dos sonhos existem Estados totalitários, que em sua sanha de poder alimentam energúmenos e os veste de toga e trajes caros.
E esses crápulas exerciam seu domínio com crueldade a ponto de que esse homem sem poder receber ajuda médica, pois padecia uma enfermidade que devia estar controlada, morre estando preso.
E não sei se foi por estar tanto tempo diante do mar, de tentar entender a diferença entre o bem e o mal, que minha pouca inteligência engendrou esse mundo ao revés, em que agora mesmo eu estava metido.
Digo ao revés, porque parece que nesse país todos sabiam que, embora uma vida humana não tenha preço e que, portanto, não há dinheiro nesse mundo que a possa comprar e trazê-la de volta.
Embora ali todos soubessem dessa lei universal, todos também sabiam que os que sobrevivem a uma tragédia assim, a essa crueldade de um Estado sem coração, têm que seguir suas vidas e agora estavam sem seu pai, sem seu marido.
Porque nesse meu país de sonho, também sabiam que “nem só de pão vive o homem” e a população se organizou de tal forma que em questão de horas começou a enviar dinheiro a essa família.
E os políticos que, ainda sabiam o que é a compaixão, doaram seus salários à causa da família do morto e de tantos outros que ainda estavam presos injustamente e que haviam deixado atrás suas mulheres e filhos ou padeciam sua velhice em uma prisão.
Centenas de milhares contribuíram à causa dos injustiçados e milhões se arrecadaram pra suprir suas carências, suas defesas judiciais, onde advogados não cobravam, mas as custas do processo se haviam que pagar ao Estado, que em seu fascismo seguia inclemente. Mas que esse povo sabia se unir e mitigar os estragos desses crápulas.
E essa família e outras sabiam que a força estava com eles em sua união, como dá gosto sonhar assim e nesse embalo percebo que um vento suave leva meu balão de sonho a outras paisagens.
Vocês sabem que os sonhos não respeitam o tempo ou a cronologia humana e eu sentia que poderia estar em tantos lugares e ao mesmo tempo em nenhum. Pois nenhum lugar que havia conhecido se parecia a isso que eu sonhava.
E agora aterrissado em uma confortável sala via como a televisão local explicava a imensa e obstinada perseguição que sofria aquele homem que, pouco antes eu ouvia discursando aos seus seguidores.
A ele lhe queriam imputar crimes que não cometeu, com a intenção de tê-lo encarcerado por um bom tempo. Uma vingança orquestrada pelo criminoso que havia, com a ajuda de sua quadrilha, usurpado o poder através de uma indisfarçável trapaça eleitoral.
A esse senhor se lhe poderia acusar de muitas coisas, mas nunca das que lhe acusavam sem provas. Mas como todos sabemos, aos facínoras vestidos de negro,”pingo é letra” e lhe condenaram a pagar uma enorme soma de dinheiro como multa por seus crimes.
E qual não foi minha surpresa, tão acostumado que estou com o nosso mundo real, quando a esse nobre senhor, todos lhe ofereceram seus melhores votos de agradecimento.
Recordando seus serviços prestados durante décadas no Parlamento, exaltando seus filhos, também políticos desde há algum tempo e que estavam ao seu lado nesse momento tão doloroso. E a sua bela esposa que já em seus próprios sonhos pensava em galgar ao Senado ou até à Presidência.
Esse povo estava abençoado pois seus líderes jamais usaram o santo nome de Deus em vão, coisa que essa dama tão pouco ousaria fazer em sua luta pelo poder. Poder que ela queria, pois assim daria ao povo do meu sonho um melhor futuro.
E assim o povo do meu país de sonho, sabendo das posses de nosso discursante e sua família e que em virtude disso poderia se defender, pois contava inclusive com os lucros que obtivesse ao vender seu exclusivo perfume.
Esse povo resolveu que melhor seria seguir buscando causas mais merecedoras de uma necessária ajuda material e por esse senhor, em todos os lugares se puderam ver caras tristes e chorosas por seu destino.
Mas que ao invés de enviar-lhe um dinheiro que não necessitava se puseram todos em oração, para que Deus desse a ele o mesmo consolo que também havia dado à família do pobre cidadão morto na prisão.
Pra ser sincero relutei em despertar-me, pois mais que um sonho eu havia estado em um mundo paralelo onde a caridade servia sempre aos que mais a necessitavam.
Onde o povo compreendia que o valor incalculável de uma vida, não impede que se ajude os que a essa vida sobrevivem e que continuam com necessidades físicas muito reais.
Esse povo compreendia que entre o incalculável e o possível, que se consiga o possível. E que não somente recomendemos o consolo de Deus.
Um povo que também sabia que, a ricos e famosos políticos, não faz falta que abramos nossas carteiras e nossos corações, como obedientes servos de um rei sem coroa.
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