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São Paulo,25/11/2024

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Antonio de Paula Oliveira

Sociedade Secreta dos Gatos

A Bichanada Controlava Tudo


Sociedade Secreta dos Gatos Gatos na Fazenda do Tonoco Polista, Sede da Fazenda do Tonico Polista, pintura a óleo, Imagem aérea da Fazenda.

     Revirei o cestinho entrelaçado de verve poética, onde se misturam prosa, poema e relatos genuinamente jornalísticos do talentoso amigo, jornalista e escritor Rosivaldo Casant. Ao puxar o fio do novelo, deparei-me com o enigmático caso dos gatos da Praia Grande. Essa leitura imediatamente me transportou à fazenda do meu avô, Tonico Polista, nas furnas entre o Papagaio,  Catucas e a Pataca, em uma das mais belas regiões de Minas Gerais; Campo das Vertentes, Itaguara, MG, cujo nome já carrega a poesia do lugar.

    Os Gatos da fazendo do meu avô sempre tiveram uma fama para lá de especial! Não eram só bichos de estimação, não, senhor! Os bichanos eram tidos como parte da comitiva de trabalhadores. Muitos deles gostavam de ficar juntos das pessoas. Os bichanos sempre viveram harmoniosamente entre eles, vez ou outra arengava entre si. Ficavam espalhados na grande casa da fazenda e nas casas dos trabalhadores. Eles se sentiam parte da família e às vezes impunha regras e condições para ali permanecerem, prestando o servicinho de caça aos ratos, praticando graciosidade com o ronronar cortejando os moradores e a noite bufados agressivos para afugentar alguns invasores.   Eles estavam por toda parte! No Curral tomando o colostro das vacas recém-paridas, no paiol de milho para capturar algum rato desavisado, debaixo do varal onde punham linguiças para defumar ao sol, no celeiro, ou em cima das soleiras das janelas, preguiçosamente esgueirando o olhar, observando o que acontecia ao seu redor. 

Parecia que os bichanos tinham criado uma sociedade secreta na fazenda, eles se postavam em posições estratégicas para se terem uma ampla visão. Tonico Polista cuidava dos 19 felinos com certo zelo, pedia ao Zé do Nem que abastecesse o coité com leite fresco para as gatas com gatinhos pequenos. Os angorazinhos cresciam sadios e logo entrava na sociedade dos gatos.

— Ô Zé, arreda o Bizeu para longe! Senão ele bebe o leite dos angorazinhos. Gato excomungado, ainda dou uma peia de chicote nele — dizia Tonico Polista.

Todos os gatos da fazenda tinham nome, alguns até apelido que prontamente atendia por ele. Uma das gatas mais velhas era a Margarida, provavelmente já lambia o dorso dos tataranetinhos. Era uma gata que gozava de respeito da sociedade dos gatos e privilégios com a alimentação. Até o gato Tuberrou, que era o mais encrenqueiro, tinha justo respeito pela Margarida. 

    O gato de pelagem trigueira era o Galileu, esse era andador, sumia constantemente. Certa vez, Tonico Polista achou que o Galileu havia se mudado da fazenda, ou possivelmente teria se enrascado com alguma cascavel. Mas o Galileu sempre voltava e quando ia se aproximando da grande casa ficava cabreiro, mais retirado em algum canto do curral. Depois, como os outros, rodopiava em volta das pernas do Tonico Polista ou outra pessoa por ali. Era um ritual quase solene, uma aproximação ou um pedido de carinho.

    O líder da bichanada, incontestavelmente, era um rajado de nome Itapioca, ele era o rei das peraltices. Destampava o latão de leite, conseguia subir nos arames que seguravam a tábua de queijo para degustar um frescal. Certa vez, Itapioca conseguiu arrastar um queijo inteiro para cima do telhado. Nesse dia Tonico Polista saiu correndo atrás do gatuno para dar-lhe umas bordoadas, mas o espertalhão saiu correndo da área, se ausentou por umas horas até o Polista se esquecer. 

    Havia também a Bolacha, uma gata branca de malhas pretas, uma gata com cara de sonsa, mas tinha o costume de se esconder no meio das roupas do varal e pular na Jerônima quando fosse recolher as roupas secas. 

— Essa cambada de arteiros há de ver comigo, vou proibir o Zé do Nem e a Jerônima de dar comidas para essas pestes, quero ver se eles não tomam jeito e acaba com essas estripulias — dizia Tonico Polista.

    O ralhar do fazendeiro não passava de ameaças vazias. Na verdade, os gatos eram mais valorizados que os próprios cães de guarda e até aqueles que ajudavam na lida com o gado. Tomavam leite, comiam carnes, ainda rapava a ração dos leitõezinhos nos cochos do mangueiro. Tonico era um homem de conversa mansa, apreciador dos animais da fazenda, tinha grande zelo pelos gatos e cães. O fazendeiro cultivava um laço especial com os meninos, filhos dos trabalhadores da fazenda. Os chamavam por apelidos carinhosos, permitiam que eles colhessem frutas no pomar, ensinava os maiores a montarem em cavalos e no final da tarde contava histórias de aventuras para eles. 

— Jerônima, cuida bem daqueles angorazinhos que nasceram por último, daqui alguns dias vou mandar toda a ninhada para a casa do Dr. João Guimarães Rosa, lá na rua. Ele me pediu uns filhoetes e não posso fazer desfeita ao pedido do Doutor, uai.  




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