Rosivaldo Casant
CRIANÇAS DESAPARECIDAS
Há alguns anos, assistindo uma novela, fiquei extremamente sensibilizado com o aparecimento de várias mães exibindo fotos de seus filhos desaparecidos
CRIANÇAS DESAPARECIDAS
Há alguns anos, assistindo uma novela, fiquei extremamente sensibilizado com o aparecimento de várias mães exibindo fotos de seus filhos desaparecidos, a exemplo do que ocorria com a personagem Odaísa, que perdera o filho, o Dudu, e, depois de recorrer à Delegacia de Polícia, sem obter êxito, reuniu-se com outras mães, as Mães da Cinelândia, como derradeira oportunidade para conseguir alguma informação sobre o menino.
Num outro dia, uma reportagem vinda do sul do país, mostrava a atitude de um pai que experimentara a sensação de perda de seu filho em um supermercado, encontrando-o momentos depois. O mal-estar passado pelo empresário o levou a uma atitude altruísta. Dono de uma fábrica de sapatos, resolveu imprimir fotografias de crianças desaparecidas nas caixas de seus produtos. Com isso, estava contribuindo para que o drama de muitas mães que perderam seus filhos fosse minorado, ou, quem sabe, solucionado positivamente.
Em se falando de solução positiva, nos dias subsequentes, uma foto e a declaração de uma das mães em um capítulo da novela, produziu um desfecho feliz. Seu filho foi localizado em outro estado do país. Uma visita da mãe foi providenciada para que ela pudesse se encontrar com o garoto e, alguns dias depois, levou-o com ela para o Rio de Janeiro. Emocionou-me o happy-end. E a quem não emocionaria? Infelizmente, a maior parte dos desaparecimentos ficam sem solução, por descaso, falta de recursos, informações e dissimulações. Hoje a tecnologia, principalmente através da inteligência artificial, pode produzir material e pesquisas que acelerem procedimentos de uma investigação e uma pessoa possa ser localizada mais assertiva e rapidamente.
Está de parabéns a autora da novela e seus diretores por terem abordado assunto varrido para debaixo do tapete das vergonhas sociais, possibilitando que mais de sessenta crianças fossem encontradas. Aliás, a autora conhece muito bem a dor de perder uma filha; não pelo tipo de desaparecimento que tratamos aqui, mas porque a moça, atriz em ascensão na carreira, teve a vida ceifada por um colega de trabalho, que contou com a cumplicidade da esposa. Esse caso abalou sobremaneira a sociedade à época.
Uma outra vergonha social e, também, administrativa, havia muito escondida por diversas instâncias do poder, poderia ter sido abordada em alguns capítulos de alguma novela ou programa aberto à participação popular: o desaparecimento de um número absurdo de crianças da rede estadual paulista de ensino público, segundo resultado de um criterioso senso e que estava passando por uma verificação das entidades interessadas na solução de tamanho despautério. Imaginei o governador ou a senhora secretária de educação daquela época com fotos ou, pelo menos, os nomes de todas as crianças desaparecidas no referido cadastro escolar. Desaparecidas ou inexistentes? Ou desaparecidos foram os recursos destinados à educação nas últimas décadas. Sabemos que os recursos foram no trem da alegria e jamais serão encontrados, ainda que todos os meios de comunicação houvessem se unido na sua busca, pois, certamente, a alavanca que altera a rota da composição para outra linha de trilhos foi acionada e o desvio foi feito.
O intrigante é que, muito possivelmente, igual número de crianças se encontravam fora das escolas por falta de vagas e a alegação era de que se fazia necessária uma suplementação de verbas para a educação. Os pais reclamavam, mas não se organizavam para uma demonstração de sua vontade, força e exigência de seu direito constitucional e o de suas crianças de vaga numa escola de qualidade. Ah! ... bem ... já é uma outra novela, cujos autores e direção querem ver de camarote e insistem em que o povo assista tudo de maneira inerte e, assim, desapareçam o senso crítico, a luta por direitos e seja sequestrada a vontade das pessoas de uma sociedade com mais oportunidades, mais trabalho, mais reconhecimento, mais grandeza e mais crianças! Inclusive, até aquela criança dentro de cada um de nós que teima em não desaparecer!
COMENTÁRIOS
Vera
em 22/11/2024
Tema relevante. As crianças desaparecidas crescem também. Digamos que aquelas crianças são adultos desaparecidos e sem memória dos fatos. Não se lembram da infância, ou morreram pelo caminho, ou não querem voltar ao passado ......