Rosivaldo Casant
QUEM TEM CÃO, CAÇA O GATO
O mercado pet, em franco crescimento já há algumas décadas, explica por si só a paixão e cuidado que os humanos têm por e com os “serumaninhos”, desde os domésticos mais comuns até os mais exóticos
QUEM TEM CÃO, CAÇA O GATO
Ótimos observadores e atentos leitores que são todos os que acompanham meus rabiscos, por certo, já estranharam o título e alguns talvez tenham pensado que eu sofri mais um de meus lapsos disléxicos e usei só um artigo definido ao invés de uma preposição que elucidasse prontamente o ensinamento do ditado popular bastante conhecido e utilizado para explicar o uso de uma alternativa pela impossibilidade de outra. Muita hora nessa calma, meu caro Watson! — talvez pudesse dizer Sherlock Holmes. Não há erro. Penso que não há. Há um mistério e ele será desvendado no momento devido. Não à toa convoquei ao texto a famosa dupla de detetives, dos livros, do cinema e de O Xangô de Baker Street, romance de Jô Soares.
O mercado pet, em franco crescimento já há algumas décadas, explica por si só a paixão e cuidado que os humanos têm por e com os “serumaninhos”, desde os domésticos mais comuns até os mais exóticos. O planejamento familiar é bem diferente dos tempos em que se combinava quantas crianças seriam, sonhava-se com um casal ou time de basquete ou futebol de salão (futsal é bem recente); e, mais antigamente, pensava-se em quem seriam os padrinhos. Até uns oito anos atrás, descendo a serra para a baixada santista, só víamos carinhas peludas de “auaus“ nas janelas dos carros, presos em cadeirinhas especialmente desenhadas para seu conforto e segurança durante a viagem; ou uma ou mais gaiolas com gatos preguiçosamente deitados como marajás. Crianças? Nem em gaiolas, janelas ou colo de algum adulto. A última década tem apresentado alguma mudança quanto a esse aspecto demográfico.
Muitas pessoas sabem que temos uma filha “basselata” (pode-se imaginar a indefinição da raça; definido e definitivo é nosso amor por ela, que, com quase vinte anos, sem enxergar e escutando muito pouco, segue conosco da PG para a Ilha Comprida e vice e versa). É amada pelos pais, irmão, vó, primos e amigos que frequentam nossa casa. Teve um histórico de sofrimento até chegar às nossas mãos. Hoje, teima em não partir e segue se emboscando nos diversos cantos do apartamento e procurando comida ou água na cozinha. Na Ilha fica um interminável tempo dando volta pelos mesmos lugares do gramado, até cansar-se e se largar na grama; nós a colocamos no seu colchãozinho e ela dorme horas.
Tata e eu não temos o perfil para criar gatos, embora até nos demos bem com os bichanos dos amigos. A Miau, por exemplo, foi uma gatinha que um casal de amigos recebeu de presente de Papai do céu, assim como a nossa Nina, vinda das ruas e ocupando seu lugar na casa e nos corações de todos. Sempre que chegávamos para nossas reuniões no lar desses amigos, lá vinha a gatinha ficar no colo da minha esposa até que fôssemos embora. Como não gostar daquele carinho! Nossa relação com os animais nos levou a assistir tudo o que fosse possível sobre eles no Youtube ou outra plataforma. Foram muitas as histórias que nos chegaram.
Certa feita, entre os muitos relatos sobre como estavam familiares que víamos muito pouco, um primo falou sobre sua irmã e seu irmão. Ela estava morando na América havia algum tempo e ele planejava pegar a família e ir para lá também; foram poucos anos depois. Mas, ao recordar-se do irmão, na ocasião morando em Vinhedo, num condomínio da cidade próxima de São Paulo, contou que algo cômico, mas também trágico, ocorrera poucos dias atrás. O irmão não sabia como dar um rumo correto a uma situação inusitada na vizinhança. Vamos ao caso.
O lugar, além de bonito é de terrenos amplos, com muros não muito altos, casas com efeito arquitetônico de todos os gostos e extensos gramados muito bem cuidados. O vizinho do terreno contíguo à direita tinha uma gata branca, a coisa mais fofa do mundo, que a esposa tratava com exagerados mimos. Para onde iam, a felina seguia junto. O irmão do primo tinha dois cachorros, que ele declinou a raça, mas, sinceramente, não me lembro, só sei que eram grandes, segundo o nosso parente. Certo dia, chegando à casa, o irmão do primo abriu o portão de entrada de carros e deixou os cachorros saírem, como fazia todos os dias enquanto guardava o carro, pois ainda havia muitos terrenos sem construção ou no início de obras. Como os animais demorassem a retornar ele assobiou, chamando-os. Foi ficando lívido à medida que os cães foram chegando mais perto. O que vinha à frente trazia na boca um bicho cheio de terra, mas que ele logo percebeu tratar-se da gata dos vizinhos, morta, sem dúvida. Ele colocou os peludos para dentro rapidamente e fechou o portão. Foi chamando a mulher e mostrando o crime realizado pelos cães. Ela também perdeu a cor, mas foi logo sugerindo que dessem um banho na gata. Assim fizeram. Lavaram, secaram; só não fizeram passar. Depois, quando a noite já reinava soberana, pegaram o gato e o passaram por cima do muro, soltando-o com cuidado no gramado dos fundos da casa vizinha.
O dia seguinte chegou. A família seguiu sua rotina: trabalho, escola, compras e tantos outros afazeres. Ele chegou no horário de sempre. Abriu o portão, mas segurou os cachorros. Não houve tempo para que entrasse na casa; o vizinho o chamou e lhe disse:
— Você não sabe o que aconteceu conosco. Dessa vez a minha mulher enlouquece de vez. Ela já estava sofrendo com a morte da nossa gatinha, dois dias atrás. Hoje pela manhã, a gata apareceu no quintal dos fundos; morta, lógico, mas como se não houvesse sido enterrada no terreno do outro lado.
Não foi dia nem da caça, nem do caçador. Desvendado o mistério.
COMENTÁRIOS
Raoni
em 08/11/2024
Quase que os cachorros levaram a culpa sem terem feito nada
Vera
em 08/11/2024
Que final inusitado! Kkkkkkk.Amei essa crônica!
Osman
em 08/11/2024
Uma história triste mas com final inusitado e muito engraçado.Como não se encantar com esses anjos de 4 patasTem a vida tão curta e ,ainda assim,passam a maior parte do tempo esperando que voltemos pra casa todos os dias .