Antonio de Paula Oliveira
Tachos e Textos Adocicados
A moça esguia de fala mansa, olhar observador e singularidade poética.
Na velha casa da Ponte, as margens do Rio Vermelho, foi a principal fonte de inspiração de Cora Coralina. Ali, entre o cotidiano simples e a beleza bucólica natural, a poetiza transformou memórias em poesia. Expressando sua profunda ligação com o espaço em seus versos.
Ornada pela Serra Dourada, os morros de São Francisco, Canta Galo e das Lages, se amparam em cadeias de pedras seixos de quartzito e mármore. Lá, onde o vento sopra forte na vegetação rasteira, balança os arbustos no vai e vem do tempo, onde brotam nascentes e abriga uma fauna com grande diversidade de animais e pássaros: veados-campeiros, antas, catetos, lobos, raposas, tamanduá-bandeira, urubu-rei, que reproduz por entre as fendas das rochas, e serpentes.
O rio Vermelho rola por entre as pedras e se avoluma quando chega lá embaixo na cidade de Goiás. Também conhecida pelos mais conservadores como Goiás Velho, a antiga capital do estado homônimo. A cidade foi tombada pela Unesco como patrimônio Mundial da Humanidade em 2001, por sua arquitetura barroca, por suas tradições culturais seculares e pela beleza exuberante que circunda a cidade.
O Rio Vermelho é um dos principais cartões-postais da cidade de Goiás. Suas águas cortam o centro histórico da cidade, desempenhando um papel importante na vida e na história da antiga capital do estado. Certamente o Rio Vermelho influenciou a cultura e a poesia de Cora Coralina, uma das maiores poetisas brasileira de todos os tempos. O Rio Vermelho tinha um significado ainda mais profundo para a escritora, que soube de maneira única tecer suas histórias por versos simples e unicamente belos. Das grandes janelas de madeira em sua casa da ponte, Cora apreciou o marulhar das águas do rio que banhavam os muros de seu quintal, deixando a essência da vida e a pureza poética registradas na história da literatura brasileira.
Ana Lins do Guimarães Peixoto Bretas nasceu em 1889 na antiga cidade de Villa Boa de Goyaz. Ela teve uma vida marcada por dificuldades financeiras e pessoais. Passou a sua infância em uma casa à beira do Rio Vermelho, provavelmente uma das primeiras casas construídas na cidade. Desde muito nova, começou a ler os livros disponíveis na modesta biblioteca de seu pai, que era Desembargador nomeado por Dom Pedro II. Aos 14 anos, se iniciou na carreira literário com os primeiros poemas e contos. Aos 15 anos se tornou Cora, Coralina veio mais tarde, na literatura. Determinação e adaptação ao que a vida lhe oferecia, foram peculiaridades presentes por toda a sua trajetória.
A moça esguia de fala mansa, olhar observador e singularidade poética, conheceu o advogado Cantídio Tolentino, ele mais velho e desquitado, despertou uma grande paixão. A notícia correu pela cidade, que gerou um falatório de todos, e foi recebida como um escândalo pela família de Cora. Para eles, a união era um afronto aos costumes sociais da época. Sem olhar para trás, Cora não contrariou o coração e fugiu com Tolentino, se afastando da cidade natal por 45 anos. Já viúva, ela voltou às suas origens e iniciou uma atividade para suprir a grande dificuldade financeira. Aninha, como também era chamada, se tornou uma doceira muito requisitada por toda a população da cidade. Entre tachos e fogão, ela soube como ninguém dosar a doçura singela da sua grandiosa obra literária.
Cora Coralina foi convidada para participar da semana de Arte Moderna de São Paulo, mas foi impedida de ir, pelo marido. Ela já gozava de prestígio no meio literário, escrevia para jornais e revistas de São Paulo e Goiás, mas não conseguia publicar seus poemas e contos. Só ganhou notoriedade quando Carlos Drummond de Andrade rasgou elogios à obra da poetisa.
Publicou seu primeiro livro, livro “O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais”, somente em 1965, aos 75 anos de idade. Era um sonho antigo que permaneceu incansável por décadas. Em vida, a autora teve poucas obras publicadas, muitas outras foram publicações postumamente.
Cora Coralina foi a primeira mulher a receber uma honraria em 1984 com o troféu Juca Pato, ganhou inúmeros prêmios por sua obra. Também foi eleita símbolo da mulher trabalhadora rural pela Organização das Nações Unidas para a agricultura e alimentação.
O gênero textual usado pela autora foi o poema, pois havia estrofes, versos e rimas. Ela conseguiu misturar causos, lendas e o cotidiano singelo, tecendo figuras altamente poética em estilo único. A temática recorrente na obra de Cora foi a vida simples que retratava a trajetória pessoal, muito se usou textos na primeira pessoa. Ela conseguia extrair de si própria a essência crua e dolorosa para transformar em versos
Existem também críticas literárias da obra de Cora Coralina. Em uma delas, Gilberto Mendonça Teles, crítico literário, poeta, doutorado em literatura pela PUC RJ e Goiás, descreve a obra da autora como uma mistura de mito e realidade. Para Teles, a louvação vem antes do estudo sobre suas obras. O fascínio, se dá pela história de vida, pela simplicidade e carisma da autora. O mito já veio desde o início, ao se adotar o pseudônimo de Cora Coralina. Lindo, romântico e forte, Raquel de Queiroz achava sublimemente belo e poético.
Sua maestria poética não residiu em uma erudição acadêmica ou em um vocabulário rebuscado, mas na habilidade de transformar o singelo em extraordinário. Ela encontrava na maneira que observava a singeleza cotidiana das pessoas e das pequenas coisas do lugar. Para Cora Coralina, o fogão com suas chamas e aromas não era apenas um utensilio de cozinha que lhe dava o sustento financeiro. O resvalar do avental sobre a rabeira do fogão, redundavam o calor da inspiração e a graciosidade poética que aquece a alma com sua ternura e sabedoria.
“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”.
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