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São Paulo,09/11/2024

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Antonio de Paula Oliveira

Um Roteiro Fragmentado pelo Tempo: Catuca

Lá entre eles, a seriedade reina, o tempo é medido pela posição do sol e ao final de um dia de trabalho eles se reúnem para uma conversinha animada.


Um Roteiro Fragmentado pelo Tempo: Catuca

No alto da serra, onde o sol consegue penetrar a densa copa das árvores em raios tímidos e aquecidos, clarear as casas embarreladas de pau a pique, encontra-se a comunidade rural de Catuca. Escondida entre os morros, esse pequeno povoado é um refúgio de famílias ordeiras e trabalhadoras que levam a vida com simplicidade e tradição.  

Lá entre eles, a seriedade reina, o tempo é medido pela posição do sol e ao final de um dia de trabalho eles se reúnem para uma conversinha animada. Com suas mãos calejadas pelos cabos das ferramentas e os rostos marcados pelo sol. Eles mantêm viva uma herança de dedicação e esforço, cultivando a terra com o mesmo zelo que tem às famílias. A lida no campo começa bem cedinho, antes de o sol desorvalhar a vegetação. Caminham para cuidarem das roças, outros descem a serra por um trieiro até a fazenda do João Polista, onde plantam lavouras e cuidam do gado.

A amizade entre as famílias do povoado e a do fazendeiro João Polista vai além do âmbito profissional, há um forte laço de confiança e respeito, sempre foi marcada por uma convivência harmoniosa e duradoura. Os lavradores desempenham todas as tarefas da fazenda. O Dão e o Zé do Nem são os carreiros, eles cuidam de tudo relacionado com o carro de bois. Já os filhos vão para outros trabalhos na fazenda.O Inhôdete é o carpinteiro oficial, vez ou outra ele se ausenta da fazenda, isso ocorre quando ele é chamada para fabricar às pressas caixão para enterrar defunto da região. Os mais novos ficam a cargo de cuidar dos animais na fazenda. 

Os truqueiros fervilhavam barulhentos em noites vésperas aos Domingos e dias Santos. Aos domingos, a professora Odete do Jovelino deixava o altar da capelinha que ficava ao lado da escola, ornamentado com flores de marcelinhas do campo, sempre-vivas e copo-de-leite para o padre Geraldo celebrar a missa.

Os homens iam para o campo disputar partidas de futebol com times de outros povoados. O primeiro campo foi feito pelo Dão, ele sentiu que precisava de uma distração para os meninos que depois serviu para os adultos também. A bola era chamada de capotão, pesava 3,5k e era costurada com barbante, não usavam uniformes, era o time com camisas e o outro time adversário sem camisas. O apito era feito de bambu e as traves dos gols eram de paus retirados ali na mata. O time do Catucas era formado pelos irmãos: Milton, Branco, Toninho e Quinquim mais os outros jogadores do povoado. Se houvesse alguma encrenca de outros jogadores dos times adversários, o Dão entrava para apaziguar, todos tinham muito respeito por ele. 

 Quando chegava janeiro, a folia de Reis ia arrastando os festeiros fiéis sob o som da viola do Levi e uma sanfoninha e baixos puxada pelo carapina Inhôdete, o reco reco era tocado pelo Zé do Bento, com sua pouca visão devido uma picada de cascavel. Lilico repicava o cavaquinho, João do Nego batia forte na zabumba feita de couro cru, outros instrumentos ritmando as cantigas pelas casas do povoado. 

Tio Caboclo e tia Luca preparavam o bolo dos reis simbolizando os presentes dos reis magos ao menino Jesus. Os alferes trajavam roupas espalhafatosas, coloridas e fantasias nos rostos. À frente, ia o Amado da Cunha que não abandonava a peixeira atravessada na cintura, carregando a bandeira do Divino, flamulando sobre os olhares das pessoas. Uma novilha da cabeceira, que fora doada pelo Zinho Dama para alimentar os seguidores da folia. O senhor Epaminondas e Dona Maria os reverenciaram em frente a grande casa que ficava na entrada do Catuca. O Dunga da Noeme estava sempre com uma guampa dependurada no pescoço, cheia de pinga, oferecia um golinho para animar os homens da folia. Cilino e Estelita serviram jarras com água da mina para todos matarem a sede, Levi e depois o Zezé do Lindorifo ofereceram o almoço aos famintos foliões. Mais tarde um grupo de mulheres formado por Catarina, Marta, Augustinha, Telina, Alice e outras mulheres moradoras, serviram um café acompanhado e reforçado aos festeiros.

Meu retorno à Catuca, depois de muitos anos, me fez perceber como o tempo pode alterar profundamente os lugares e as pessoas. Eu estava ali sentado debaixo da grande mangueira com o olhar perdido no tempo. As pessoas não habitavam mais ali, muitos haviam partido, não estavam mais entre nós, outros tantos se mudaram para outros lugares, deixando suas casas para pessoas que não cultivavam as terras, pessoas que não conheciam os valores inestimáveis das histórias de cada um que ali um dia viveu, construiu famílias, prosperou, criou o seu próprio mundo de maneira simples e feliz. Uma gente que soube encontrar a plenitude naquele lugar. Com o passar do tempo, restaram apenas memórias que ficaram gravadas na minha mente sobre aquela terra que testemunhou toda a história de muitas gerações. O roteiro foi fragmentado pelo tempo que passou, mas deixou memórias impagáveis.

Segundo o especialista e conhecedor da cultura do povo Catuquense, Antonio Moraes, o Toninho, nascido na região, o nome Catuca se originou a partir dos encontros que os lavradores faziam para conversar e tocar desordenadamente os instrumentos de cordas. Uns diziam aos outros “catuca nas cordas”. Eles involuntariamente acometiam a dislalia trocando o “a” pelo “o” ao invés de falarem cutuca, pronunciavam catuca.

Recorri a Ilma Rosa Rezende de Paula, minha irmã, para conhecer um pouco sobre a história do povoado do Catuca. Ela relatou-me minuciosamente tudo sobre as pessoas, apelidos, costumes, origens, nomes e toda a história de cada um deles. A Júnia Donizete de Paula, minha irmã, orientou-me sobre a festa da folia de reis, falou da história de cada componente.



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